quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O Eterno Retorno

E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio.
A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!" -

Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que responderias: "Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa:


"Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?"


Pesaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir! Ou então, como terias de ficar de bem contigo mesmo e com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?
Nietzsche

As Pitonisas

Os oráculos foram fruto do profundo desejo que os povos nutriam com relação ao conhecimento do futuro. Os gregos, que cultivavam um panteão de deuses, se destacavam neste empenho para adivinhar tempos vindouros. Como eles mantinham a crença em divindades que permitiam ao Homem vislumbrar seus desígnios através de eventos extraordinários que se desenrolavam no mapa celestial e na superfície terrestre, passaram a se devotar à compreensão da vontade divina.
Assim, eles buscavam, em rituais religiosos, na leitura das estrelas, dos vegetais e das vísceras dos animais mortos, ter uma visão do futuro das pessoas. Desta forma surgiram os oráculos, nos quais mulheres, representantes da mais apurada intuição, eram conhecidas como pitonisas.
Esta denominação provém da mitologia grega, na qual o Píton é uma cobra imensa, proveniente da lama terrestre gerada pelo dilúvio. Ela teria sido enviada por  Hera, deusa dos ciúmes e da família, para seguir a ninfa Leto, mãe de Apolo e Diana. Este animal foi aniquilado por flechas disparadas por Apolo, que, a partir de então, foi chamado de Pítio, em memória deste feito. Dizem as lendas que ele assumiu igualmente este nome por seu oráculo estar localizado em Delfos, localidade anteriormente denominada Pito.
Como este deus também era a divindade responsável pelas previsões, seu cognome se estendeu a todas as adivinhas. Assentadas sobre cadeiras de espaldar elevado e três pés, elas se debruçavam sobre despenhadeiros completamente abertos, dos quais emanavam vapores que as induziam aos vaticínios, e proferiam suas respostas aos que as consultavam uma vez ao ano, sempre no início da primavera.
Os preparativos anteriores ao assentamento na cadeira trípode englobavam um banho na fonte de Castália, jejum de três dias, ruminar a folha do loureiro, e o desenvolvimento de vários rituais. Depois disso o deus da adivinhação se aproximava e o Templo era abalado até as raízes. 
Só então a pitonisa era levada a sua cadeira pelas mãos dos sacerdotes. Ela permanecia em transe o tempo todo, clamando em voz alta, berrando e semelhando um estado de possessão. No mesmo instante em que a sacerdotisa decifrava os enigmas propostos por seus consulentes, ela se acalmava, mas era preservada no estado de êxtase, às vezes por vários dias.
No começo o oráculo dispunha de uma única Pitonisa, mas com as crescentes demandas, outras mulheres foram preparadas para assumir esta posição. Ser sacerdotisa exigia das candidatas castidade, formação singela e desapego material; elas se trajavam com estrita discrição. Normalmente eram selecionadas entre as camadas mais pobres da população, pois a crença geral indicava que a riqueza impedia o exercício desta nobre tarefa.